domingo, 30 de setembro de 2012

O que é uma uva boa para vinho?

Olá a todos,

Hoje continuo a falar sobre o processo de elaboração de vinhos artesanais. Comecemos então pelo começo: a uva. Primeiro vamos resgatar das profundezas da memória escolar alguns conceitos básicos de biologia: a videira (ou parreira) é uma planta pertencente à família das vitáceas, do gênero vitis. Há várias espécies desse gênero e, entre elas, há duas principais espécies do que consumimos comumente como uva: a vitis vinifera e a vitis labrusca. Em ambas as espécies, há o que chamamos de uvas viníferas e uvas de mesa. Estes últimos termos são designações apenas funcionais: uvas para serem utilizadas na fabricação de vinhos e uvas para consumo doméstico, in natura. Sendo mais ogro: quanto a funcionalidade, há uvas de beber e uvas de comer. Pronto! Dentro de cada espécie, há diversas variedades (o termo mais acertado seria cultivares) — tanto de uvas tintas quanto brancas —, com diversas características. 

As variedades mais comuns da vitis vinifera são: a merlot, cabernet, syrah, tempranillo, malbec, camenere, pinot noir, chardonnay, riesling, sauvignon blanc, touriga, Thompson, Thompson Black, Itália, Brasil (mutação da uva itália), Moscatel, Red Globe, entre outras (só para ficar em algumas mais conhecidas). As variedades mais comuns da vitis labrusca são: Concórdia, Isabel, Niágara, Crimson, Rubi, Ribier, entre outras. Há diversas variedades híbridas — cruzamentos entre vinifera e labrusca, —, mas uma lista mais completa das duas espécies pode ser encontrada na wikipedia.

As uvas de beber — em sua grande maioria — pertencem à espécie vitis vinifera, como sugere o próprio nome. Em termos gerais, essas são as uvas boas para vinho. Boas no sentido de darem bons vinhos finos. É preciso lembrar que toda uva serve para fazer vinho. Mais que isso, é possível fazer vinho de frutas diversas (jaboticada, mirtilo, cereja, etc) e, entre elas, as uvas (o termo vinho aqui é usado em um sentido mais genérico, e não no sentido legal). Tudo depende de qual tipo de vinho você quer e do seu gosto (bom ou mau, rsrsrs). Mas para se fazer vinho fino precisa-se de uva vinífera adequada. Aqui podemos nos guiar pelos vinhos mesmo: para tintos temos a merlot, cabernet sauvignon, tannat, syrah, tempranillo, touriga, garnacha, nebbiolo, sangiovese, malbec, camenére, zinfandel, pinot noir, pinotage, etc. Para brancos, temos a chardonnay, riesling, sauvignon blanc, etc. Vinhos tintos são feitos com uvas tintas (óbvio!). Vinhos brancos são feitos com uvas brancas (óbvio!) e/ou com uvas tintas (aha! Não tão óbvio!). A diferença é que em vinhos brancos, as cascas não ficam em contato com o mosto durante a fermentação. Elas já são separadas logo de cara. Assim, temos que uvas como pinot noir, cabernet franc, entre outras, podem ser usadas também para fabricar vinhos brancos e espumantes.

Porém, mais do que a uva adequada, ela precisa ser boa: equilibrada entre doçura, acidez, taninos e aromas. Para isso, recomendo usar o aparelho mais tradicional e perfeito para aferição: a boca! Prove as uvas e veja se elas te agradam e se preenchem bem os quesitos acima. Falaremos disso mais aprofundadamente em outra ocasião. 

No que diz respeito a fazer vinhos artesanais em BH, posso dizer que há três opções: pode-se ficar ligado no período de colheita — em Minas tem sido em agosto, e no sul, em março — e tentar arrumar uvas viníferas diretamente com produtores em Três Corações, Andradas e Caldas (MG) ou no sul do Brasil; pode-se comprar uvas tradicionalmente de mesa (de comer) e testá-las para ver se fazem bons vinhos; pode-se plantar em algum lugar e aguardar de 3 a 5 anos para ver se dará certo (rs). Se a opção for por essa última, recomendo encomendar mudas com a Vitácea Brasil

Bem, como uma opção não inviabiliza a outra, faça como eu: tente tudo ao mesmo tempo! Só um conselho: ao se tentar com uvas de mesa (de comer), dê preferência às uvas da espécie vitis vinifera. Há uma chance maior de ela dar melhor vinho do que das vitis labrusca. Estas últimas costumam ter um aroma que os americanos chamam de foxy (foxé, em francês). É um aroma característico de uvas dessa espécie que nos lembram os vinhos de garrafão — aqueles da provação enológica — e que, por isso mesmo, pelo menos pra mim, faço uma associação a baixa qualidade. É o famoso cheiro de sucão! O que posso falar é que já fiz vinho com a uva Thompson Black e deu resultados interessantes. A uva brasil também parece promissora, apesar do baixo índice glucométrico (açúcar). Para saber sobre esse índice, é bom ter a mão um refratômetro portátil (foto abaixo) para medir o grau de açúcar. Não são caros e são fáceis de se importar pelo eBay, tendo custo entre 15 e 40 dólares. Dê preferência aos que possuem duas escalas de medição: ° Brix e gravidade específica (SG - Specific Gravity). A maioria dos livros sobre vinhos artesanais usam uma ou outra medida. Detalhes em próximos textos.
Refratômetro portátil

Caso não tenha um refratômetro, use a boca: quanto mais doce, melhor!

Inté!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Et fiat vino!

Um grande olá!

A partir de hoje começo a me aventurar e me atrever a escrever pequenos textos sobre vinhos. São as minhas impressões sobre esta birita apaixonante, misteriosa e ancestral. Além disso, pretendo compartilhar as minhas experiências e toda a empiria da minha ousadia de fazer vinho tino fino seco artesanal em pleno coração dessa província brasileira: Belo Horizonte, MG. Vou procurar — e espero conseguir — usar uma linguagem menos empolada e mais objetiva, sem me fixar muito nos fetiches enciclopédicos que costumam habitar alguns textos sobre vinhos. OK! Já soou meio pretensioso, no mínimo. Mas juro que não há pretensão estéril alguma — apenas as fundamentadas, Rá! Na verdade, o que há é um apreço avassalador pelo assunto, por suas histórias, costumes e, principalmente para mim, por suas práticas. Sim! Essa é a parte que me moveu.

Não sou enólogo. Não tenho formação enológica formal. Estou mais para um enófilo curioso e enólogo tardiamente autodidata. Comecei meu envolvimento com isso assim como a maioria começou mas não tem coragem de assumir: tomando vinhos baratos de garrafão — sim, aqueles mesmos: Canção, George Albert (carinhosamente apelidado de Jojobé), Mosteiro, Sangue de Boi e afins (Catuaba Selvagem, por exemplo). Já passei por todo tipo de provação enológica, mas isso será assunto para outro texto. O que quero frisar aqui é que, caso eu fale alguma besteira, não se sinta ofendido e indignado por deturpar e afrontar as tradições mas sim, alerte-me para que eu possa corrigir a tempo de pagar pouco mico.

Apesar disso, na minha caminhada pelas descobertas enológicas, percebi que degustar um grande vinho é como escutar uma música que se gosta muito: é uma experiência sensorial única e individual a cada vez. Do mesmo modo, fazer um bom vinho se equipara a compor uma grande música, só para falar em termos do que entendo por formação. Sou compositor graduado pela UFMG, o que significa que aprofundei-me na arte de combinar sensações para puro e simples deleite, apesar destas serem sonoras e não olfato-gustativas. A minha história de formação sempre foi afeita à arte do fazer, seja uma música, poema, quadro, desenho, dissertação, artigo ou até mesmo, um vinho. Porém este último só me atrevi a tentar há cerca de 2 anos. E tudo começou após uns 8 anos de desgustação gradualmente mais atenta a esta bebida, logo após assistir ao filme "Um bom ano" combinado a uma degustação de vinhos artesanais do Ateliér Tomentas. Fiquei matutando se seria difícil fazer vinho.

Em tese, fazer vinho é simples. Afinal, se essa birita tem pelo menos 3000 anos — já se fazia e se bebia vinho muitos anos antes de adegas climatizadas, geladeiras, luz elétrica, redes de esgoto, água tratada, açúcar e outras comodidades da vida moderna —, não pode ser tecnologicamente tão complexa. Assim, a prática de fazer vinho também não deve ser, afinal é basicamente suco de uva fermentado e pronto, certo? Sim e não. Sim, pois é isso mesmo: suco de uva fermentado. Para ser mais exato com a terminologia vinícola, mosto de uva fermentado — mistura entre suco e partes sólidas da uva (cascas, sementes, etc). Ao mesmo tempo, não. As nuances do processo de feitura são infinitas, difenciando totalmente os resultados, indo do vinagre a um belo vinho tinto seco. Só para se ter uma ideia do que estou falando: se o vinho é somente um sucão hiperintegral de uva fermentado, com pouca intervenção humana (também em tese) no processo, então a qualidade da uva deve influir decisivamente na qualidade do vinho, certo? Sim. Aqui vai um dos surrados bordões da enologia: é possível fazer maus vinhos com uvas boas, mas não o contrário. Portanto, faz-se muito do vinho na condução das videiras, na espécie da planta, no clima e solo que sustentam a plantação, na seleção criteriosa de uvas na colheita... e isso tudo sem entrar em detalhes. Palmas para os agrônomos, que tentam gloriosamente entregar uma uva nos moldes desejados pelos enólogos, administrando toda essa série de fatores.

Mas daí, para quem quer fazer vinho artesanalmente em Belo Horizonte, temos a primeira dificuldade: onde diabos vou arrumar uva boa para vinho? O que é uma uva boa para vinho?
Tcharam!!! Assunto para um próximo texto!

Inté!